A Europa Entre a morte da globalização, a Fragmentação Global e a Urgência de se Tornar um Bloco Soberano.
A transformação acelerada da ordem internacional confirma uma tendência estrutural: o mundo está a reorganizar-se em blocos regionais com potências de influência que tratam os outros países como o seu “quintal, tanto na economia, como na política, como na defesa. A globalização aberta, marcada pela interdependência generalizada, cede espaço a uma realidade de “blocalização”, onde cada conjunto de países procura garantir resiliência interna, segurança estratégica e autonomia tecnológica. Este movimento, inicialmente visível nas cadeias de abastecimento, expandiu-se agora ao domínio da segurança, confirmando a revelação de que os Estados tendem-se a agrupar com base em valores, interesses e prioridades estratégicas partilhadas.
Neste novo cenário, a Europa confronta-se com uma mudança profunda no relacionamento com os Estados Unidos. A mais recente Estratégia de Segurança Nacional norte-americana evidencia que Washington já não partilha com o continente europeu a mesma visão do mundo, os mesmos valores políticos centrais nem o mesmo posicionamento estratégico. A linguagem utilizada, centrada numa noção de “civilização comum” reinterpretada através de lentes ideológicas internas, distancia-se dos princípios democráticos e universalistas que durante décadas sustentaram a relação transatlântica. A defesa explícita de políticas identitárias, o apoio a forças extremistas europeias e a redefinição unilateral das responsabilidades dentro da NATO demonstram que os Estados Unidos seguiram um rumo que não coincide com o do projeto europeu.
A divergência de valores torna-se evidente quando Washington relativiza a ameaça russa, pressiona por um cessar-fogo desfavorável à soberania da Ucrânia e regressa à lógica de zonas de influência. Em paralelo, a divergência estratégica é igualmente clara: os EUA recentram prioridades no Indo-Pacífico, reposicionam a sua presença militar e consideram reduzir o compromisso com a segurança europeia. Perante este afastamento político, ideológico e geoestratégico, deixa de ser sustentável considerar que os Estados Unidos podem integrar o mesmo bloco que a Europa ou que garantem, como no passado, a estabilidade do continente.
Ao mesmo tempo, a Europa enfrenta uma reorganização económica global marcada pela necessidade de reforçar a autonomia industrial, tecnológica e energética. A “blocalização” exige que os blocos sejam coesos, capazes de garantir o seu próprio abastecimento de bens estratégicos, proteger cadeias críticas e enfrentar choques externos sem depender de parceiros cujas prioridades já não se alinham com as suas. A dependência excessiva, tanto económica como defensiva, deixa de ser viável num mundo em fragmentação.
Neste contexto, a Europa deve assumir uma mudança estratégica decisiva: consolidar-se como um bloco próprio, robusto e coerente, distinto dos EUA e capaz de defender os seus valores e interesses. Isso implica aprofundar a integração económica, coordenar investimentos estruturais, reforçar a indústria de defesa europeia e desenvolver capacidades militares que garantam dissuasão credível. Não se trata de romper alianças históricas, mas de reconhecer que a composição dos blocos internacionais já não é a mesma e que a Europa deve preparar-se para agir com autonomia quando os seus parceiros tradicionais escolherem outros caminhos.
A consolidação de um verdadeiro bloco europeu exige também liderança política sólida, capazes de orientar o continente num momento marcado por incerteza estratégica e competição entre grandes potências. A Europa precisa de dirigentes que articulem visão, capacidade executiva e sentido de responsabilidade histórica, evitando que o projeto europeu fique paralisado por disputas internas, excesso de burocracia ou agendas que desviam o foco das prioridades essenciais: segurança, crescimento económico, inovação e coesão social.
Num mundo que se torna cada vez mais “blocal”, a Europa não se pode permitir práticas administrativas que travam o dinamismo empresarial, atrasam decisões críticas e obscurecem objetivos estratégicos. O continente necessita de políticas ágeis, regulamentos eficazes e uma cultura institucional orientada para resultados, evitando que debates ideológicos laterais se sobreponham à urgência de reforçar a competitividade, modernizar a economia e garantir bem-estar às populações.
A transição para um bloco europeu forte não depende apenas de estruturas militares e económicas, mas também de liderança capaz de recentrar prioridades, reduzir bloqueios administrativos e promover reformas que devolvam à Europa a sua energia criativa, industrial e tecnológica. Num cenário internacional marcado por rivalidades crescentes, a qualidade da liderança europeia será determinante para preservar a autonomia do continente e assegurar que a Europa continua a ser um projeto de prosperidade e estabilidade num mundo em rápida transformação.
A construção de um bloco europeu forte não é opção teórica; é uma necessidade estratégica. Num mundo fragmentado, onde os alinhamentos se reconfiguram e onde os Estados Unidos seguem um percurso próprio, a Europa só protegerá a sua segurança, prosperidade e modelo civilizacional se assumir plenamente o seu papel como ator central e independente. O futuro exige uma Europa que fale e aja em nome do seu bloco, e não como apêndice de decisões tomadas noutro continente.




